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RESUMO DO SEMINÁRIO - VOLUME 02:
Kardec responde às objeções dos contraditores do Espiritismo, ou seja, daqueles que propuseram uma explicação diferente para os fenômenos espíritas. Cosme Massi explica esse texto, tão esclarecedor para a Ciência Espírita.
SOBRE A INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA
Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras. Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas, já muito numerosas, de anfibologia. Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas.
Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a doutrina espírita; como generalidade, prende-se à doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razão por que traz no cabeçalho do seu título as palavras: Filosofia espiritualista.
Há outra palavra acerca da qual importa igualmente que todos se entendam, por constituir um dos fechos de abóbada de toda doutrina moral, e por ser objeto de inúmeras controvérsias, à falta de uma acepção bem determinada. É a palavra alma. A divergência de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação particular que cada um dá a esse termo. Uma língua perfeita, em que cada idéia fosse expressa por um termo próprio, evitaria muitas discussões; com uma palavra para cada coisa todos se entenderiam.
Segundo uns, a alma é o princípio da vida material orgânica. Não tem existência própria e se aniquila com a vida: é o materialismo puro. Neste sentido e por comparação, diz-se de um instrumento rachado, que nenhum som mais emite: não tem alma. De conformidade com essa opinião, a alma seria efeito e não causa.
Pensam outros que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve uma certa porção. Segundo esses, não haveria em todo o Universo senão uma só alma a distribuir centelhas pelos diversos seres inteligentes durante a vida destes, voltando cada centelha, mortos os seres, à fonte comum, a se confundir com o todo, como os regatos e os rios voltam ao mar, donde saíram. Essa opinião difere da precedente em que, nesta hipótese, não há em nós somente matéria, subsistindo alguma coisa após a morte. Mas é quase como se nada subsistisse, porquanto, destituídos de individualidade, não mais teríamos consciência de nós mesmos. Dentro desta opinião, a alma universal seria Deus, e cada ser um fragmento da divindade. Simples variante do panteísmo.
Segundo outros, finalmente, a alma é um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade após a morte. Esta acepção é, sem contradita, a mais geral, porque, debaixo de um nome ou de outro, a idéia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra, no estado de crença instintiva, não derivada de ensino, entre todos os povos, qualquer que seja o grau de civilização de cada um. Essa doutrina, segundo a qual a alma é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.
Sem discutir o mérito de tais opiniões e considerando apenas o lado lingüístico da questão, diremos que essas três aplicações do termo alma correspondem a três idéias distintas, que demandariam, para serem expressas, três vocábulos diferentes. Aquela palavra tem, pois, tríplice acepção e cada um, do seu ponto de vista, pode com razão defini-la como o faz. O mal está em a língua dispor somente de uma palavra para exprimir três idéias. A fim de evitar todo equívoco, seria necessário restringir-se a acepção do termo alma a uma daquelas idéias. A escolha é indiferente; o que se faz mister é o entendimento entre todos, reduzindo-se o problema a uma simples questão de convenção. Julgamos mais lógico tomá-lo na sua acepção mais comum, e por isso chamamos ALMA ao ser imaterial e individual que em nós reside e sobrevive ao corpo. Mesmo quando esse ser não existisse, não passasse de produto da imaginação, ainda assim seria preciso um termo para designá-lo.
Na ausência de um vocábulo especial para cada uma das outras idéias a que corresponde a palavra alma, denominamos:
Princípio vital o princípio da vida material e orgânica, qualquer que seja a fonte donde promane, princípio esse comum a todos os seres vivos, desde as plantas até o homem. Pois que pode haver vida com abstração da faculdade de pensar, o princípio vital é algo distinto e independente; a palavra vitalidade não expressaria a mesma idéia. Para alguns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se acha em dadas circunstâncias. Segundo outros, e esta é a idéia mais comum, ele reside em um fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parcela durante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria então o fluido vital que, na opinião de alguns, em nada difere do fluido elétrico animalizado, ao qual também se dão os nomes de fluido magnético, fluido nervoso, etc.
Seja como for, um fato há que ninguém ousaria contestar, pois que resulta da observação: é que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres orgânicos e independe da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; finalmente, que entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e de pensamento há uma dotada também de um senso moral especial, que lhe dá incontestável superioridade sobre as outras: a espécie humana.
Concebe-se que, com uma acepção múltipla do termo alma, a alma não exclui o materialismo, nem o panteísmo. O próprio espiritualista pode entender a alma de acordo com uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo do ser imaterial distinto, a que então dará um nome qualquer. Assim, aquela palavra não representa uma opinião: é um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer. Daí tantas disputas intermináveis.
Evitar-se-ia igualmente a confusão, embora usando-se do termo alma nos três casos, desde que se lhe acrescentasse um qualificativo especificando o ponto de vista em que se está colocado, ou a aplicação que se faz da palavra. Esta teria, então, um caráter genérico, designando, ao mesmo tempo, o princípio da vida material, o da inteligência e o do senso moral, que se distinguiriam mediante um atributo, como os gases, por exemplo, que se distinguem aditando-se ao termo genérico as palavras hidrogênio, oxigênio ou azoto. Poder-se-ia, assim, dizer (e talvez fosse o melhor) a alma vital, indicando o princípio da vida material; a alma intelectual, o princípio da inteligência; e a alma espírita, o da nossa individualidade após a morte. Como se vê, tudo isto não passa de uma questão de palavras, mas questão muito importante quando se trata de nos fazermos entendidos. De conformidade com essa maneira de falar, a alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual pertenceria aos animais e aos homens; e a alma espírita somente ao homem.
Julgamos dever insistir nestas explicações pela razão de que a doutrina espírita repousa naturalmente sobre a existência, em nós, de um ser independente da matéria e que sobrevive ao corpo. A palavra alma, tendo que aparecer com freqüência no curso desta obra, cumpria fixássemos bem o sentido que lhe atribuímos, a fim de evitarmos todo engano.